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Transferências: uma experiência pascal

10/07/2020

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Por que, às vezes, é tão traumática a transferência de um padre? O que faltou neste processo para que ele fosse tranquilo e normal? Onde está o erro? Quem errou? O bispo? O padre transferido? O povo? A lei canônica? Ordenados diáconos e sacerdotes, prometemos obediência e respeito ao bispo diocesano. O bispo promete “obedecer fielmente ao sucessor do Apóstolo Pedro”.

Este ponto de partida sacramental é fundamental. Ali se estabelece uma relação filial e de comunhão com o bispo e uma disposição serviçal à Igreja diocesana e universal através daquele que preside a Igreja local. Esta disposição serviçal está bem expressa na liturgia das ordenações. Na celebração diaconal, o ordinando é interrogado sobre “ser consagrado ao serviço da Igreja”, “como colaborador da Ordem sacerdotal”, “a serviço de Deus e da humanidade”.

O diácono, na sua ordenação sacerdotal, propõe-se a “desempenhar sempre a missão de sacerdote no grau de Presbítero, como fiel colaborador da Ordem Episcopal, apascentando o rebanho do Senhor”, “para louvor de Deus e santificação do povo cristão”, sendo com Cristo “consagrado a Deus para salvação da humanidade”. Na ordenação episcopal, o eleito promete conservar o tesouro da fé “sempre e em toda parte” e “cuidar do povo de Deus com amor de pai”, sobretudo dos pobres, peregrinos e necessitados, dispondo-se a “procurar as ovelhas errantes e conduzi-las ao rebanho do Senhor”.

Relembro estas palavras dos ritos de ordenação para dizer que a abrangência da missão é a Igreja, a humanidade, o rebanho inteiro do Senhor, o povo cristão, a salvação da humanidade, as ovelhas errantes, em toda parte. Pois bem, em nenhum lugar ou ofício alguém pode dizer que realiza plena e exclusivamente a amplitude destes “destinatários” ou “interlocutores” de nossa missão diaconal, presbiteral e episcopal. Haverá sempre alguém mais adiante, noutra paróquia ou diocese, noutro lugar ou ofício.

Nossa existência consagrada e sacerdotal nos põe sempre em dimensão e trânsito pascal. Estamos em continuadas e fecundas páscoas, que nos remetem a outras pessoas, outros lugares, outros ofícios. Vivemos uma vocação pascal. A transferência é o “túmulo” da pascalidade ministerial e sacerdotal. Não somos deste ou daquele lugar. Somos da Igreja, da humanidade, do povo santo de Deus, do rebanho inteiro, até das ovelhas errantes. Ora em lugares plenos de afeto, de interação, de conectividade humana, de ajustes; ora em lugares desafiadores, resistentes, sofríveis, desconectados conosco.

Contudo, estes lugares também demandam pastores, também são partes da humanidade, da Igreja, do rebanho. Quem enviar a eles? Esta pergunta virá em algum momento! E precisará de uma resposta e de um sim! E isto não antes de alguns ou muitos diálogos. 
Nossa pascalidade sacerdotal nos faz missionários sem tendas, peregrinos sem grandes cargas, forasteiros de bagagem leve. Pároco não significa exatamente isto? Forasteiro, peregrino, pessoa de passagem! Vigário não é aquele que age no lugar de outro? Já que o pároco não pode estar, o vigário age em seu nome e como seu legítimo representante! Bispo não é um apóstolo, um enviado, que preside uma Igreja?

Quantas Dioceses e Prelazias, sem esquecer o Ordinariado Militar e a Administração Apostólica, nosso imenso rebanho católico brasileiro tem? Todo este universo humano é lugar amplo, belo, desconhecido para o exercício do nosso ministério nos três graus do Sacramento da Ordem. Devemos considerar-nos peregrinos, representantes, enviados numa Igreja presente em todo o orbe terrestre, e que desembocará numa Igreja celeste sem títulos e sem graus, senão tão somente aquele que diferencia a Trindade Onipotente e os seres redimidos e celestes.

A pascalidade ministerial nos faz missionários dentro da diocese, do país, do mundo. O padre diocesano, que tem raízes mais locais, precisa tornar-se missionário dentro do território diocesano. No chão da Igreja local, ele vive sua vocação diaconal e sacerdotal em perspectiva pascal, devendo estar aberto também à amplitude da missionariedade pascal “ad gentes”.

As transferências sepultam nossa mania de achar que somos só daqui, servimos só para esta paróquia, esta realidade, esta cidade, este ofício, esta diocese, e nos abre à desafiadora missão pascal de re(s)-surgir, re-começar, re-nascer em lugares e ofícios diversos. Esta experiência fecunda, ordinária e salutar nos obriga a repensar nossos paradigmas, nossos projetos, nossas relações, nossos papéis. Faz-nos perceber que os planos não valem igualmente para todo lugar.

Na dor e na escuridão da partida, da ruptura, da “morte” aqui para a “ressurreição” lá noutro lugar, somos inundados de luz pascal, de possibilidades novas (como o Ressuscitado e suas propriedades novas), de reavivamentos humanos, afetivos e pastorais. Não sem dores e sepultamentos. Porventura, haveria páscoa sem paixão ou ressurreição sem morte? A encarnação, a paixão, a morte e a ressurreição do Senhor são chaves de leitura e de compreensão para nossa existência cristã e nosso caminho vocacional, independente do chamamento que Deus nos tenha feito.

Nossa existência é sempre, será sempre pascal, em todas as suas expressões, dinamismos e etapas. 
Transferência deve ser sinônimo de páscoa para nós, ordenados e consagrados. É lugar de viver a páscoa parcial de nossa existência consagrada ao Senhor e a seu rebanho. E esta páscoa, não sem agonias e calvários, nos levará a uma fecunda e alegre fidelidade ao nosso ministério, nossas promessas, nossa Igreja local, Católica e Apostólica, Romana e Missionária, nossa Mãe e nossa Mestra, a quem servimos com toda a força de nossa alma sacerdotal, missionária e pascal.

Dom José Carlos de Souza Campos - Bispo Diocesano de Divinópolis-MG
Foto: Diocese de Divinópolis




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