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Encontro Regional de Congadeiros, em São José da Varginha

Highslide JS

Acontecerá, entre os dias 5 e 9 de outubro, em São José da Varginha, o Encontro Regional de Congadeiros.

Origem do Congado

Seria muita pretensão de minha parte, resumir, num pequeno texto, toda a complexidade da Festa do Congado ou Reinado de Nossa Sra. Do Rosário. As dificuldades já começariam pelo nome da festa. Congado é uma palavra muito genérica e  lembra-nos, os antigos reinos do Congo, uma região da África centro-ocidental. Reinado de Nossa Senhora, já acrescentaria um ingrediente novo à festa, qual seja, a devoção a Virgem do Rosário. Como foi que tudo isso aconteceu?

A Festa do Congado (Reinado, ou tamborzeiros, no Norte de Minas), é uma criação brasileira, cujas raízes estão plantadas na África. Mas, falar de África não é simples. Hoje, são mais de cinquenta países! Na época do “descobrimento” do Brasil a situação era um pouco  diferente. Os diversos povos africanos se agrupavam em grandes “famílias”. Assim, falamos de “Povo Banto”, Povo Sudanês, etc.  O que chamamos de “Bantos”, na verdade, era um grande grupo proveniente de um mesmo tronco linguístico e composto por mais de 500 povos que habitavam na região do Congo, Angola  adjacências. As línguas Quicongo, Umbundo e Quimbundo, são derivações desse tronco linguístico. (1)

Ao serem trazidos como escravos para o Brasil esses grupos foram misturados. Isso dificultaria possíveis rebeliões, pois os costumes diferentes era um complicador para que pudessem se organizar. Já na colônia, esses negros “misturados” acabaram formando uma nova “família”. Tornaram-se “malungos”(irmãos), uns dos outros. Na África esses grupos eram distintos e cada qual valorizava seus ancestrais e de acordo com a cultura, recebida e transmitida, resolviam seus conflitos. Outro mito que deve ser desconstruído é que esses povos eram atrasados e rudes. Esse argumento muitas vezes, aplicados também aos indígenas, servia e, ainda serve,  para justificar a “lógica” da escravidão.

A primeira Irmandade do Rosário dos homens brancos que se tem notícia foi fundada na Alemanha em 1409(2). Essas irmandades acabaram chegando a Lisboa. Em 14 de julho de 1496, quatro anos antes da chegada dos portugueses ao Brasil, temos noticias da criação de uma “Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos”, em Lisboa. Essa informação encontra-se na autorização de um alvará para que a referida Confraria pudesse recolher esmolas nas caravelas que iam à Mina e aos Rios da Guiné.  Outras “irmandades do Rosário” são registradas também no Congo, Moçambique e  Angola no Séc XVII.  Foi, exatamente, dessa região (região dos povos bantos) que vieram, para o Brasil, os primeiros escravos. Daí se pode concluir que parte dos bantos, já era católica, mesmo antes de aportar na nova terra.

Antes de 1552 já existia no Brasil uma irmandade para os escravos oriundos da Guiné, na costa ocidental africana.  Provavelmente, alguns escravos que vieram para o Brasil já pertenciam a confrarias ou irmandades do rosário na África.

E como foi que a Virgem do Rosário foi adotada como mãe desse povo no Brasil?  Bom, aqui há um mito de origem que precisa ser explicado. Esse mito brasileiro está enraizado na memória de todos os congadeiros com pequenas variações.

Dizem que, certo dia Nossa Senhora apareceu no mar. Os brancos tentaram tirá-la de lá e levá-la para suas casas. Mas, o esforço foi em vão. A santa permanecia imóvel. O pessoal do congado também tentou e não conseguiu muito sucesso. O pessoal do Candombe e do Moçambique teve sucesso. Nossa Senhora os acompanhou, aos toques dos tambores,  e foi morar com eles na Senzala. Como mãe dos pobres preferiu habitar com eles e não na Casa Grande. Por isso, ainda hoje, durante a festa do Congado o grupo que faz o cortejo da imagem de Nossa Senhora é o grupo de Moçambiqueiros. Na devoção para com Nossa Senhora do Rosário, os diversos grupos (Congado, Moçambique, Vilões, Marinheiros, Catupés, Candombe…) se unem apesar de suas diferenças.

Engana-se quem afirma que o Rosário de Nossa Senhora assemelha-se, às contas de Ifá, um Orixá do povo Yorubá. Isso não faz sentido, pois o povo Banto não conhecia os Orixás da mesma maneira como o pessoal da Região do atual Benim. O povo dessa região veio para o Brasil no período final da escravidão e trouxe consigo os Orixás do Candomblé. Mas, essa é outra história. O Congado é uma festa católica, de origem popular que tem raízes na África, mas, assumiu características próprias no Brasil, como por exemplo, a influência indígena e dos povos do mar. Em nossa região temos grupos de penachos e marinheiros. Isso ilustra o que dizemos.

Que alguns participantes do Congado possam frequentar outros cultos é compreensível por questões históricas, pois muitas vezes, a Igreja Católica fechou suas portas aos negros. Um dos cantos mais tristes dos congadeiros, o “Lamento Negro”, denuncia essa discriminação que perdurou muito tempo e, infelizmente, continua em alguns lugares. Esse canto é entoado quando a porta da Igreja está fechada aos  negros e, eles do lado de fora, pedem permissão ao padre para entrarem na Igreja(3):

Vou contar-lhe uma história /  Peço, preste atenção / É uma história muito antiga / Do tempo da escravidão.

No dia 13 de Maio / Assembléia trabaiô / Nego veio era cativo / E a Princesa liberto / Nego veio era cativo / E agora virou Sinhô.

No tempo da escravidão / Era branco que mandava / Quando branco ia pra missa / Era nego que levava./ Quando branco ia pra missa / Era nego que levava / Branco entrava pra Igreja /

Nego cá fora ficava./ Branco entrava pra Igreja / Nego cá fora ficava / E se nego reclamasse /

De chiquirá ele apanhava. / E se nego reclamasse/ De chiquirá(4)  ele apanhava / Nego só ia rezar

Quando na senzala chegava.

Reza-se pelas almas dos negros escravos falecidos:

Que dó, que dó, / Jesus Cristo está no céu / Amparando estas almas /Desses nego sofredô.

Pedido feito ao padre para que seja aberta a porta para os negros entrarem na Igreja:

Ô sinhô abra a porta / Que os nego quer entrar / Para ouvir a Santa Missa / Que o Sinhô vai celebrar.

Louvor a Nossa Senhora do Rosário:

Virgem do Rosário / Sois rosa mimosa / Entre as outras flores / Sois mais formosa. / Maria concebe o verbo encarnado / Que veio ao mundo / Remir os pecados.

O lamento é entoado sempre pelo filho mais velho de Candombe ou Moçambique, segundo informações de Walace de Souza, Capitão Mor, da Irmandade,Os Nonatos, de Pará de Minas.

Em uma “Carta Pastoral” datada de 1927, Dom Cabral, bispo de Belo Horizonte faz a seguinte declaração sobre o Congado (ou Reinado):

  “… Lamentamos que não tenha ainda desaparecido totalmente os chamados Reinados ou Congados que põem quase sempre uma nota humilhante nas festas religiosas…” (Carta Pastoral do Episcopado da Província Eclesiástica de Belo Horizonte, “Determinações das Conferências Episcopais de 1927”, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1927…)” Citação tirada do Portal do Iphan(4):

A declaração oficial da Igreja, na época, mostra o quanto os congadeiros sofreram para defender sua fé e sua tradição em Minas Gerais. O esforço de romanização da fé, certamente contribui para que muitas Capelas dedicadas a Nossa Senhora do Rosário fossem demolidas.  Essa negação da cultura explica o fato de muitos terem buscado outros espaços religiosos para manifestarem sua fé.

Felizmente essa realidade mudou com o Concílio Vaticano II. O Concílio reconheceu a importância de se valorizar as diversas formas de celebrar a fé.  Em outros documentos a Igreja reconheceu a importância da inculturação da mensagem do Evangelho. Na Conferência de Santo Domingo (1992) ela foi defendida como prioridade pastoral. Isso nos mostra que não existe uma única maneira de celebrar o mistério. Celebrar a missa com os Congadeiros não é incorporar na celebração uma “criatividade selvagem”, mas, valorizar as expressões de um povo que, quase foi extinto sob as cordas do chicote.

Faz algum tempo acompanho, com amor, os congadeiros de Pará de Minas e conheço um pouco a experiência religiosa deles. Fico, cada vez mais admirado, ao ver o amor que dedicam a Virgem Maria e aos Santos Negros. Quase cem por cento das músicas que entoam falam de Nossa Senhora. O restante fala do tempo da escravidão, da mineração, da vida no mar e do trabalho nas roças. Com esse texto quero render a eles minha homenagem e minha admiração. Que eles sejam abençoados pela Mãe de Jesus e pelas almas de tantos escravos que  derramaram o próprio sangue tingindo de vermelho nossa bandeira…

Por: Padre Geraldo Gabriel




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